quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O silêncio da madrugada

Quando criança, conversavam por horas. Ele doava seu tempo, seus ouvidos, fala e correrias só para o menino. Dentre os amigos que o outro tinha na rua, na família ou nos primeiros anos da escola, ele poderia ser considerado o melhor.

Eram inseparáveis.

Da amizade que ali nasceu ninguém sabia ou precisava saber; a presença de um era o suficiente para o conforto do outro. Compartilhavam um pacto silencioso de melhor amigo, selado por uma troca de sorrisos quando o assunto se esgotava depois de um dia cheio.

Um dia, o menino percebeu o outro um tanto quieto. Perguntou o motivo.

É que amanhã você vai acordar e eu não estarei mais aqui.

O menino se desesperou a fazer perguntas. Traído, não entendia porque o amigo tinha que partir dessa maneira.

O outro olhou para ele, muito sério.

Escuta, não sou eu que vou embora. É você que vai esquecer de mim. É algo que acontece, eu sabia desde o início.

E por quê nunca me falou sobre isso?

Porque não tem nada que a gente possa fazer a respeito disso. As coisas são assim, andantes.

E o que vai acontecer com você?

Eu vou te falar uma vez só, então presta atenção. Tem uma hora, madrugada adentro, que a noite dá um suspiro profundo no meio do sono. É nesse momento, quando tudo está tão quieto que dá ouvir o silêncio, que a gente vai se encontrar.

Mas como que eu vou saber que hora é essa?

Não dá pra saber. Mas você vai saber.

O tempo passou e o menino se tornou pai, avô. Mas, de vez em quando, ainda via o amigo em seus sonhos. Algumas vezes estavam perdidos dentro do elevador que ele tinha que tomar para ir até o escritório (o elevador nunca chegava e ele sempre atrasado), ou aparecia se oferecendo como bote salva-vidas naqueles sonhos duros em que se afogava em águas tranquilas. Algumas vezes, quando havia algum tempo antes do despertador soar às cinco da manhã, trocavam algumas palavras.

Que bom te ver. Pena que não vou me lembrar de você quando acordar.

Não tem problema, eu vou continuar por aqui.

E o homem abria os olhos e o sonho ficava lá na sua mente. De lembranças mesmo só o elevador, os relatórios a cumprir, o medo da água e às vezes, um sorriso que o assaltava vindo do nada no meio da tarde.


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