domingo, 29 de agosto de 2010

Madrugada

Balde de água, cubos de gelo boiando.

O tempo estava quente, ele tinha isso a seu favor. Mas mesmo assim, o cara não era peixe.

Olho no relógio e olho na nuca do sujeito. Tempo e até onde ele lutasse pra sair. Se debate, como peixe na água. Olho no relógio, olho na nuca. Um no peixe, outro no gato, não é o que se diz?

Sangue na água. Sobe lento, com gelo.

Garçom, o de sempre.

Afundar no copo, na cama. O sono submerge a cabeça, turva as ideias.

Nada numa piscina de gelo, os ladrilhos azuis. As balas correm em volta, como peixes rápidos. Ladrilhos se partem, está no mar. O sal não deixa abrir os olhos direito.

O cara não consegue mais abrir os olhos. Lábio inchado, olho inchado, cara deformada. Olho no relógio. Não tem como ele ficar aceso por muito tempo.

Desce no mar, não dá pra ver o fundo. Mas logo que atingir o fundo, acorda. Ele acorda, mas o cara se dormir não acorda mais.

Garçom, o de sempre, com sangue.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Paralelo e transversal

Tão estranho. Aquelas ruas já haviam sido menores na sua memória. As esquinas apertadas, os prédios lado a lado, estrangulados.

Mas, ao passar agora por aqueles pontos do antes, as ruas ganhavam ares de avenidas, as luzes eram maiores, ofuscantes.

Quanta coisa largada por ali, na sarjeta. Aquela vez, aquela outra vez, aquela vez mais.

Mas não mais.

Não mais.

Fantasmas que habitavam as placas, as portas que poderiam se abrir a qualquer momento e atirar caras conhecidas, envelhecidas. Que vontade estranha aquela de passar por ali novamente.

O tudo era como um palco que se chegasse depois de fechadas as cortinas e as luzes se houvessem esfriado, congelado. Não haveria mais nada por ali, mas havia tudo, ao mesmo tempo, em algum lugar por detrás de seus olhos.

Quantas chuvas haviam caído por ali e levado o lixo rua abaixo? Quantos pés haviam gasto as calçadas com seus passos desde que saíra dali? Não dava pra saber.

Mas aquelas pedras ainda retinham o cheiro do sangue seco. Os neons e as publicidades ainda explodiam a cada segundo em seu rosto.

Precisava se limpar, ir pra casa, tomar banho, ir ver os caras no bar, dormir.

E esperar que talvez no outro dia não tivesse que levantar da cama.