domingo, 31 de janeiro de 2010

Réstia

As cartas sempre passavam por debaixo da porta. Uma pilha de cartas, amontoadas. Mas elas não tinham nada dele. Papel branco, dentro de papel branco.

Pelo apartamento, as coisas espalhadas, largadas ali. As calças, as chaves da janela, a revista da semana do passado nunca aberta.

A televisão poderia estar acesa. Os homenzinhos a andarem de lá pra cá, tão entretidos em andar de lá pra cá. Olhava e não entendia nada, mas estava tudo bem.

Olhou os sapatos no chão. Havia mais graça em roê-los quando havia alguém para gritar com ele por isso. Agora, eram apenas sapatos sem graça.

Quando havia sol, sempre na virada do sol, andava até ele. Réstia de sol que se espremia por entre os prédios. Durava 13 minutos, se pudesse contar.

Mas quando não havia sol, ia até a cama, aninhava-se do lado da cama onde havia o travesseiro com o seu cheiro. O cheiro ia se perdendo aos poucos, misturado à essência de lavanda dos lençóis brancos, limpos.

Ouviu um barulho perto da porta. Levantou a cabeça e esperou. Mais uma carta caiu.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

30''

Na falta do que levar, escolhera um caderno. Poucas linhas escritas; apenas o necessário para se fazer entender. Já não precisaria dos números.

Também, não havia mais o que calcular. Mesmo o quadro, que tantos rabiscos comportava, estava sem espaço. Sempre poderia haver algum erro neles, alguma equação imponderada, algum número não muito bem dimensionado. Mas nada a mais haveria a recalcular. A equação já não representava apenas um projeto; era antes um retrato de si mesmo, imperfeito.

Dos retratos, pensou em levar alguma foto, alguma janelinha que fosse útil para olhar o ontem. Mas teve medo que a fotografia sofresse alguma alteração; afinal de contas, nada seria o mesmo no futuro. Deixou tudo como estava.

Afinal, apertou o botão.