sábado, 28 de setembro de 2013

Fim de jogo

As pipocas não estralavam na boca. Os dentes se afundavam; pareciam feitas de um isopor ensebado.

Olhou para o torresmo meio queimado com nojo, enrolou o saco e jogou no meio fio.

A chuva quando viesse levaria a pipoca embora enxurrada abaixo, engordurando os dentes sujos da boca de lobo.

Pipoqueiro safado, enrolava todo mundo vendendo pipoca de três dias atrás. Uma mocinha colegial se aproxima, apanha um saco, pega o dinheiro do bolso, paga e sai, rindo com as amigas.

Olhos de pipoqueiro estralando na bunda da garota, produto fresquinho, diferente do outro na panela.

Carro de luxo descendo a rua. Porque esses caras sempre tinham que ter uma caminhonete de cinco metros?

A porta se abre, uma criança corre pra dentro.

Eu corro pra dentro, pelo outro lado.

Bom dia, como foi na escola?

Caralho, quem é você?

Um dia esses caras iam entender que a última coisa que importava era quem eu era.

Arma por detrás do banco, na altura do pulmão.

Pai, quem é ele?

Tal pai, tal filho.

Escuta só, vamos indo, faz teu curso, leva o piá pra casa da mãe ou seja lá pra onde você leva ele sempre.

Isso é um sequestro...? cara, leva tudo, leva o carro...

Esses caras um dia ainda iam entender que a última coisa que eu gostaria de ter era um desses carros de cinco metros, quinhentos cavalos e suspensão aprovada na Europa.

Pai...

Fica quietinho filho, tá tudo certo.

Olha pai, um revolver igual o do GTA!

Pois é. Fica quietinho, filho, fica quietinho. Não fala nada.

Seguimos o curso.

A sujeira da cidade era coisa de louco. Só assim para morar naquele amontoado de prédios, cuspidores de entulhos e mais entulhos, comida podre, embalagem de miojo mal comido e gente nos horários de almoço. Nem todo o sabão do mundo pra dar conta de limpar tanta gente imunda.

Olho no olho pelo retrovisor.

O cara suava.

Pra onde a gente tá indo, pai?

Pra casa da tia Dulce.

O teu amigo vai também?

Tia Dulce devia estar fazendo um bolo a essa hora. Avental de flor, mexendo a massa. Nem ia ficar surpresa com o sobrinho chegando pro lanche. Fiz bolo de chocolate, teu preferido, filho. Brigado Tia Dulce, mas você não é minha mãe. Pois é, mas a mamãe não sabia fazer bolo de chocolate. Na verdade, tua mãe mal sabia o que era um filho.

A mãe deveria mandar um beijinho por mês via Skype. E uns jogos de videogame no aniversário.

Por quê tu tá fazendo isso, cara?

Você gosta de videogame, guri?

Olho acanhado. Balança a cabeça.

Então pensa que esse é um jogo bem legal que teu pai tá participando.

O pai não gosta de jogo.

Mas ele vai mudar de opinião sobre isso, pode deixar.

Caminhonete entra numa rua arborizada. O cheiro podre diminui, se disfarça. Mas ainda está lá, debaixo dos pés.

Casa da Tia Dulce é um sobrado meio decadente, lajota portuguesa, santa na fachada, em cima da janela.

Tchau filho.

Mas você não vai descer com a gente, pai?

Olho agitado no retrovisor.

Agora não. Fala pra ela que eu volto mais tarde pra te pegar.

Tá bom.

Piá pega a mochila e desce.

Tal pai, tal filho.

Olho no retrovisor, indeciso.

Toca adiante.

Pra onde?

Pro lixão, dá vontade de dizer. Lá pra onde você e toda essa sujeira devem ir. Mas sujeira com sujeira acumula e fica mais difícil de limpar. O carro desliza pela rua arborizada.

Silêncio.

Eu ainda não entendo porque tu tá fazendo isso. Se não é roubo, nem sequestro...

Pra que tentar entender tudo? Captar o quadro, resolver o quebra-cabeças, entender coisa com coisa. Parece que saber tudo faz você melhor que teu vizinho, teu conhecido, o pipoqueiro safado ou teu sócio.

Teu sócio tá te passando pra trás, sabia?

O quê?

Rua arborizada acaba em terreno baldio. Rua sem saída, cheia de lixo. Carro pára. Não disse que só estavam querendo esconder o fedor?

Teu sócio. Ele pagou pra fazer você sumir.

Quê? Sério? Filha da...

Fim de jogo.

Mas que carro horrível.

Abre porta, sensor de porta aberta apita.

Umas gotas de chuva caem no pára-brisas. Sensor de chuva começa a fazer seu trabalho, limpeza automática.

O chão começa a ficar molhado, encharca lentamente os sapatos.

Melhor passar no supermercado antes que escureça.











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