quarta-feira, 1 de setembro de 2010

À Deus, pai

O velho sentado na varanda. Todo dia, largado lá. Uma, duas, cinco garrafas de bebida barata aos seus pés. As garrafas se somavam e ele, se subtraía. Sumia desse mundo.

Bebia em goles, até sumir a garrafa. Ausente, sempre em silêncio. O sol da tarde batia em sua careca meio suada, os pés descalços esticados pra fora da varanda.

A mãe nunca passava por ali. Não queria ver o velho. Estava nos céus, no quarto do fundo, os santos sem rosto, olhando pras alturas.

A casa era silêncio. A mãe não falava quando rezava. Os lábios mudos, se mexendo rápido.

As cobras no mato se mexendo rápido. Rastejando entre os arbustos, atrás dos ratos. Cobras com a pança cheia, fugindo do sol.

O velho tinha uma arma. Pra matar as cobras. Gaveta do meio da despensa. Balas largadas num saco debaixo da casa.

Clique-clique.

Sempre soube como era. Clique-clique. As balas arranhavam o tambor seco quando colocava elas lá.

Pés descalços na poeira. Cuidado com as cobras, filho. Reze pro anjo da guarda que elas fogem.

Obra do demônio. As garrafas enfileiradas aos pés do velho.

Clique-clique.

A arma não brilhava no sol. Preta, fosca. A careca do velho sim, brilhava no sol.

Gatilho enferrujado. O velho sorrindo, lábio mole, seco.

Tiro. Tiro. Tiro. Tiro.

As garrafas explodindo, uma a uma.

O velho imóvel, omisso.

A garrafa do lado do pé do velho, meio cheia.

Tiro.

Cheiro ruim, sujo. Álcool espirra nos lábios moles, secos.

Sorriso.

Quatro olhos de ódio, sob o sol. Silêncio.

A benção, meu pai.

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