Corria na chuva, pés molhados.
Olhos aguados, pingos entrando pelo capote.
Passava pelas luzes, rosto dividido. Claro-escuro. Os carros indiferentes, atirando água e sujeira. O nada lá atrás, deixado no apartamento vazio.
Suas coisas na rua, não diziam mais nada pra ele. Os sacos embolorados, de dias. Lixo na sarjeta, pra ser empurrado pela enxurrada viela abaixo.
O chão, sempre seco. Hoje, molhado.
Pé direto na poça, não fazia sentido pular. Não fazia sentido parar. Esquinas atravessadas no vermelho.
Ela foi naquela direção. Só podia ter ido naquela direção.
Avenida larga que ia se estreitando, escurecendo.
Mais um pouco, mais uma esquina e ela estaria lá, esperando por ele.
Tudo bem, esquece. Não precisa dizer nada. Nunca foi preciso dizer nada. O nada ficou pra trás, espiando na soleira vazia, lembra?
Deixa disso, venha, vamos pra casa. Mas não praquela casa.
Água suja, tenta limpar a rua. Quanta sujeira poderia haver ainda naquela cidade?
Números subindo, rua descendo. Água fria que vem de cima, desce pelo capote, esmaga sua arma contra o braço.
Mais uma esquina, uma placa.
Rua sem saída.
Ela não estava lá.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
À Deus, pai
O velho sentado na varanda. Todo dia, largado lá. Uma, duas, cinco garrafas de bebida barata aos seus pés. As garrafas se somavam e ele, se subtraía. Sumia desse mundo.
Bebia em goles, até sumir a garrafa. Ausente, sempre em silêncio. O sol da tarde batia em sua careca meio suada, os pés descalços esticados pra fora da varanda.
A mãe nunca passava por ali. Não queria ver o velho. Estava nos céus, no quarto do fundo, os santos sem rosto, olhando pras alturas.
A casa era silêncio. A mãe não falava quando rezava. Os lábios mudos, se mexendo rápido.
As cobras no mato se mexendo rápido. Rastejando entre os arbustos, atrás dos ratos. Cobras com a pança cheia, fugindo do sol.
O velho tinha uma arma. Pra matar as cobras. Gaveta do meio da despensa. Balas largadas num saco debaixo da casa.
Clique-clique.
Sempre soube como era. Clique-clique. As balas arranhavam o tambor seco quando colocava elas lá.
Pés descalços na poeira. Cuidado com as cobras, filho. Reze pro anjo da guarda que elas fogem.
Obra do demônio. As garrafas enfileiradas aos pés do velho.
Clique-clique.
A arma não brilhava no sol. Preta, fosca. A careca do velho sim, brilhava no sol.
Gatilho enferrujado. O velho sorrindo, lábio mole, seco.
Tiro. Tiro. Tiro. Tiro.
As garrafas explodindo, uma a uma.
O velho imóvel, omisso.
A garrafa do lado do pé do velho, meio cheia.
Tiro.
Cheiro ruim, sujo. Álcool espirra nos lábios moles, secos.
Sorriso.
Quatro olhos de ódio, sob o sol. Silêncio.
A benção, meu pai.
Bebia em goles, até sumir a garrafa. Ausente, sempre em silêncio. O sol da tarde batia em sua careca meio suada, os pés descalços esticados pra fora da varanda.
A mãe nunca passava por ali. Não queria ver o velho. Estava nos céus, no quarto do fundo, os santos sem rosto, olhando pras alturas.
A casa era silêncio. A mãe não falava quando rezava. Os lábios mudos, se mexendo rápido.
As cobras no mato se mexendo rápido. Rastejando entre os arbustos, atrás dos ratos. Cobras com a pança cheia, fugindo do sol.
O velho tinha uma arma. Pra matar as cobras. Gaveta do meio da despensa. Balas largadas num saco debaixo da casa.
Clique-clique.
Sempre soube como era. Clique-clique. As balas arranhavam o tambor seco quando colocava elas lá.
Pés descalços na poeira. Cuidado com as cobras, filho. Reze pro anjo da guarda que elas fogem.
Obra do demônio. As garrafas enfileiradas aos pés do velho.
Clique-clique.
A arma não brilhava no sol. Preta, fosca. A careca do velho sim, brilhava no sol.
Gatilho enferrujado. O velho sorrindo, lábio mole, seco.
Tiro. Tiro. Tiro. Tiro.
As garrafas explodindo, uma a uma.
O velho imóvel, omisso.
A garrafa do lado do pé do velho, meio cheia.
Tiro.
Cheiro ruim, sujo. Álcool espirra nos lábios moles, secos.
Sorriso.
Quatro olhos de ódio, sob o sol. Silêncio.
A benção, meu pai.
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